sábado, 4 de junho de 2016

Coração de Jesus, Atravessado pela Lança


Esta é uma alusão evidente da cena narrada por São João, em que um soldado se aproxima de Jesus para verificar se ele está morto, e, no lugar de quebrar-lhe as pernas, como faz com os outros dois ladrões, perfura-o com uma lança.

"Com isto se consuma a Paixão", escreve o Padre Paschoal Rangel.
Um coração trespassado, um lado aberto onde aparece um coração do qual jorra a Vida, lembra logo aquele outro lado também aberto (mas desta vez com mão divina) de Adão no Paraíso, de onde saiu Eva, em hebraico  Hawwá, quer dizer a Vida, a mãe de toda vida, de todos os viventes, de que fala o Gênesis (2,21-22). A palavra que São João usa para expressar "lado" é "pleurá", no singular. A mesma palavra que está na tradução grega mais famosa do Gênesis, a dos Setenta, e isso não é casual em um autor como o Quarto Evangelista: é claro que ele queria referir-se a uma nova gênese, ao começo de uma nova humanidade que nasce do "lado" (pleurá) de Cristo morto, segundo Adão (1Cor 15,45), assim como do primeiro Adão "adormecido" nascera a antiga humanidade, cuja "vida" se perdera junto a uma árvora. A vida renascia e, para não faltar nada, estava ali, ao pé daquela "nova" árvore genesíaca, a Cruz, a "MULHER", a nova Eva, Heva, HAWWAH, Maria, a mãe a quem Ele chama, precisa e deliberadamente, "Mulher" (Jo 19,26). 
Como o coração do Esposo do Cântico dos Cânticos (5,2), o coração do Cristo "adormecido" nesse sono da morte, não dorme: "Eu durmo, e o meu coração vigia". Uma vigília de amor e ressurreição. Uma vigília que dilata a alma e deixa passar a fonte da vida:"Eu corri pelas estradas de tua vontade, ó Pai, e tu me dilataste o coração" - podia dizer Jesus com o salmista (Sl 118,32). 
A gente bem que precisaria de ter um coração assim. Jesus terá dito um dia a Santa Catarina de Sena, após a comunhão:"Eu tiro de ti o teu coração e te dou o meu". Fazei isto conosco também, ó Coração atravessado pela lança!
Meditação de São João Paulo II:

1. Ao longo dos séculos, poucas páginas do Evangelho atraíram tanto a atenção dos místicos, dos escritores espirituais e dos teólogos quanto o relato de João sobre a morte gloriosa de Cristo e o golpe da lança cravada em seu lado (Jo 19,23-37). É nessas páginas que se inspira a presente invocação de ladainha.
No coração traspassado contemplamos a obediência filias de Jesus a seu Pai, cuja missão cumpriu até sua conclusão (Jo 19,30), e seu amor fraterno para com os homens, que amou até o fim (Jo 13,1), isto é, até o extremo sacrifício de si mesmo. O Coração traspassado de Jesus é o sinal desse amor nas linhas vertical e horizontal, como os dois braços da cruz.
2. O Coração traspassado é também o símbolo da vida nova, dada aos homens pelo Espírito e pelos sacramentos. Apenas o soldado lhe golpeou com a lança, da ferida de Jesus "saíram sangue e água" (Jo 19,34). O golpe da lança atesta a realidade da morte de Cristo. Morreu verdadeiramente, como realmente nasceu, como renascerá em sua própria carne (Jo 20,24-27). Contra toda tentativa antiga ou moderna de docetismo, de admitir somente "a aparência", o evangelista nos apresenta a certeza da realidade. E, ao mesmo tempo, aprofunda o significado do evento salvífico e o exprime por um símbolo. Assim como do rochedo ferido por Moisés no deserto nasceu uma fonte de água (Nm 20,8-11), assim também do lado de Cristo, aberto pela lança, nasceu uma torrente de água para saciar a sede do novo povo de Jesus. Esta torrente é o dom do Espírito (Jo 7,37-39), que alimenta em nós a vida divina.
3. Enfim, do Coração traspassado de Cristo nasceu a Igreja. Segundo uma tradição patrística dos primeiros séculos, como do lado de Adão adormecido nasceu Eva, sua esposa, assim do lado aberto do Salvador dormindo na cruz o sono da morte foi criada a Igreja, sua esposa. Ela se forma justamente a partir da água e do sangue - Batismo e Eucaristia - que nascem do Coração traspassado. A constituição conciliar sobre a liturgia afirma: "Foi do lado de Cristo adormecido na cruz que nasceu o admirável sacramento de toda Igreja (Sacrosanctum concilium, 5).
4. O evangelista observa que ao pé da Cruz estava a mãe de Jesus (Jo 19,25). Ela viu o Coração aberto donde corriam sangue e água - sangue de seu sangue - e compreendeu que o sangue de seu filho estava sendo derramado para nossa salvação. Então compreendeu plenamente o significado das palavras que seu Filho lhe dirigira pouco antes: "Mulher, eis aí teu filho" (Jo 19,26). A Igreja que nascia do coração traspassado estava confiada a seu coração de mãe.
Peçamos a Maria que nos ensine a beber, cada vez mais abundantemente, das fontes de graças que correm do Coração traspassado de Jesus.
(Angelus - 30 de julho de 1989)


Notas:

RANGEL, Paschoal. Sagrado Coração de Homem. Belo Horizonte: O Lutador, 1993.

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