Jesus respondeu: "Por que me chamas bom? Ninguém é bom, senão só Deus!" (Lc 18,19)
Mas, quando a bondade e o amor de Deus, nosso Salvador, se manifestaram, ele salvou-nos... (Tt 3,4)Meditação de São João Paulo II:
1. Em nossa oração do Angelus, desejo falar ao Coração do Filho mediante o Coração da Mãe. Há coisa mais bela que o colóquio entre esses dois corações? Dele eu quero participar.
2. O Coração de Jesus é "fornalha ardente de caridade" porque a caridade possui alguma coisa da natureza do fogo, que arde e se consome para iluminar e aquecer.No sacrifício do Calvário, o coração do Redentor não se consumiu no fogo do sofrimento. Se humanamente ele morreu, como o constatou o centurião romano, traspassado com a lança o lado de Cristo, na economia divina da salvação esse Coração permaneceu vivo, como a Ressurreição o manifestou.
3. O Coração vivo do Redentor ressuscitado e glorificado está verdadeiramente "cheio de bondade e de amor", infinita e superabundantemente pleno. O transbordamento do coração humano alcança em Cristo a medida divina.Assim foi o Coração de Jesus durante os dias de sua vida terrena. O Evangelho o testemunha. A plenitude da caridade se manifestou por meio da bondade, irradiada e difundida sobre todos, em primeiro lugar sobre os que sofrem e os pobres; sobre todos conforme suas necessidades e expectativas mais verdadeiras.Assim é o Coração humano do Filho de Deus após a experiência da cruz e do sacrifício: ainda mais transbordante de amor e de bondade.
4. No momento da Anunciação, começou o colóquio do Coração de Mãe com o Coração do Filho. Hoje nos unimos a esse colóquio meditando o mistério de Encarnação na prece do Angelus Domini.(Angelus - 21 de julho de 1985)
Escreve o Padre Paschoal Rangel:
Quando a Ladainha do Sagrado Coração invoca Jesus "cheio de bondade e de amor", precisaríamos de ter cuidado para não cair num entendimento sentimental desses títulos. Ao contrário. Mas que é que significa "bondade e amor" na linguagem da teologia bíblica?
"Bondade" tem a ver com "benignidade", "misericórdia", "compaixão". E São Paulo nos mostra que, no meio de nossas indignidades e fraquezas e apesar de nossas maldades, Jesus Cristo nos salvou e nos deixou ver sua "bondade e amor" (Tt 3,4). Não foi por nossos méritos, mas por causa de sua bondade que Ele nos libertou de rixas e violências, de malícias e invejar. O Antigo Testamento já revela um Deus assim benigno e sempre inclinado ao perdão. Tão disposto a perdoar que alguns profetas ficavam frustrados e aborrecidos por verem que suas predições de castigos e desgraças acabavam tantas vezes não se cumprindo, porque o Senhor se aplacava ao menor sinal de arrependimento do povo. "Eu penso pensamentos de paz e não de aflição" - diz o Senhor (Jr 29,11).
Quando chega a vez de Jesus, então, os evangelhos nos fazem ver, a toda hora, quanto Ele tem pena do povo, embora às vezes os repreenda duramente. Sua repreensões, aliás, objetivam a conversão e não a perda do pecador. Não vai na conversa de Tiago e João que querem atrair fogo do céu para destruir a aldeia que não os recebeu (Lc 9,55). Comove-se diante de Marta e Madalena, na morte de Lázaro (Jo 7,11), diante da viúva de Naim que perdia o filho único (Lc 7,13) e da multidão que o seguia até ao deserto "como ovelhas sem pastor" (Mc 6,34), etc. Sua bondade não fazia acepção de pessoa, desde que precisassem dele, mas certamente demonstrou uma delicada preferência para cinco espécies de necessitados: os pobres, os doentes, os sofredores, os inocentes e os pecadores. Porque eram os mais necessitados.
Aqui não se trata de amor, mas de bondade... bondade incluindo compaixão, delicadeza, compreensão. Essa bondade inclina naturalmente o Coração de Cristo para os mais necessitados, que, na bíblia, sobretudo no Antigo Testamento, se resumem e são simbolizados pelo órfão, a viúva, o pobre e o estrangeiro. O Novo Testamento acrescenta a esses os "pecadores", especialmente os que pecam por fragilidade, Certamente, ninguém mais necessitado: "Não vim chamar os justos, mas os pecadores" (Mt 9,13).
Continua, em outro momento, o Pe Paschoal:
É verdade que já comentamos a invocação em que se chamava o Coração de Jesus de "receptáculo de justiça e amor". Aí o amor se confrontava, ou melhor, se "encontrava" com a justiça, nesse lugar de confluência das coisas aparentemente mais disparatadas, onde até a justiça se impregna de misericórdia e o amor não se deixa amolecer até tornar-se injusto por excesso de condescendência.
Aqui, nesta nova invocação, a distinção se impõe, não mais em face da justiça, mas em face da bondade. A bondade nos inclina para os mais fracos, cria uma preferência provocada pela necessidade do outro. O amor não tem essa "fraqueza".
Não deixaria de parecer uma espécie de injustiça, em Deus, "amar", no sentido forte do termo, mais o pecador do que o justo; a ovelha perdida que a ovelha fiel, amiga e bem comportada. Esse pensamento incomodou algum tempo Santa Teresinha, que não parecia conformar-se com a ideia de ser menos amada, só porque não tinha sido infiel e não fora preciso a Deus ir procurá-la longe dele. Não, ela se sentia até mais amada, porque Deus, sabendo-a pecadora e fragílima, tinha tomado, de antemão, todas as providências a fim de que ela não se desgarrasse e, assim, não tivesse de ser procurada. Se não fosse o amor de Jesus, pensava a freirinha de Lisieux, "eu teria caído tão baixo quanto Madalena". "E a palavra profunda do divino Mestre a Simão, o Fariseu, repercute em minha alma com imensa suavidade. Sim, eu sei, 'aquele a quem menos se perdoa, menos ama'. Mas eu sei também que Jesus me perdoa mais do que a Santa Maria Madalena". "Eu fui perdoada de antemão". "Jesus sabia que eu era frágil demais para ser exposta à tentação".
Está aí expresso com uma angelical simplicidade, o que os teólogos talvez exprimissem assim: é o amor de Deus que torna as coisas amáveis. Deus nos ama primeiro, antes de merecermos ser amados. "As criaturas não são queridas por Deus porque são boas; elas são boas porque são queridas por Deus" - escreveu um dia o grande Pe Penido.
Assim, a humanidade de Cristo, a pessoa da Virgem Maria, que nunca precisaram de ser perdoadas a posteriori, foram as mais amadas das criaturas, Deus as amou antes e as fez, não só sem pecado, mas impecáveis.
É desse amor que nos ama gratuitamente, que nos escolheu para ser amados, que o Coração de Jesus está cheio. (RANGEL, 1993)
Notas:
RANGEL, Paschoal. Sagrado Coração do Homem. Belo Horizonte: O Lutador, 1993.
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