sábado, 4 de junho de 2016

Coração de Jesus, Feito Obediente até à Morte



Obediência é o novo nome do Amor (São João Paulo II)
Deus quer mais de ti um mínimo de obediência e docilidade, do que todas as ações que realizas por ele. (São João da Cruz)

De todos os mistérios cristãos, escreve o Padre Paschoal Rangel (1993), talvez o mais misterioso para o homem moderno seja o da "obediência".
No entanto, São Paulo exortava os seus discípulos de Filipos: "Tende em vós os mesmos sentimentos que o Cristo Jesus... ele que se humilhou e se fez obediente até à morte, e morte de cruz". (Fl 2,5-8). Esta é a expressão que a Ladainha do Sagrado Coração de Jesus assume na invocação que estamos meditando. 
Mas quanto seja difícil obedecer, parece que fica ainda mais explícito na Epístola aos Hebreus, quando o autor insiste: feito sacerdote por vontade do Pai, um sacerdote diferente dos sacerdotes aarônicos da Lei Mosaica (ele seria sacerdote segundo a ordem de Melquisedec), Jesus "apresentou por nós ao Pai pedidos e súplicas com veemente clamor e lágrimas e foi atendido por causa de sua submissão". Notem agora a frase misteriosa, quase obscura: "E embora fosse Filho, aprendeu a obediência através da coisas que sofreu; e levado à consumação, tornou-se para aqueles que lhe obedecem, causa de salvação eterna". (Hb 5,8-9).Até o Filho, apesar de ser o Filho e estar absolutamente disposto a fazer em tudo a vontade do Pai, "aprendeu" a obediência. Como diz alguém, aprendeu, com o sofrimento, quanto custa obedecer; ou, como explica um outro autor, feito sacerdote, encarregado de oferecer-se como vítima pela redenção dos homens, ele foi "aprendendo", passo a passo, a tornar-se aquilo que o Pai queria dele, a conquistar o título de "obediente até à morte". 
Não é, pois, de espantar que os homens de todos os tempos, mas especialmente os homens de uma civilização libertária, individualista, de instintos anárquicos, experimente uma grande repugnância diante da obediência. Fica parecendo para muita gente de hoje, particularmente para os jovens, ainda não "provados" pela experiência, que essa conversa é um troço "medieval". E vai nisso o mais categórico dos juízos de desprezo. Acontece que, infelizmente, essas ideias penetram nos meios católicos, nos ambientes de Igreja, nas paróquias, diante não só do padre mas do Bispo, do Papa, do Direito Canônico, sem falar das famílias, e da própria vida religiosa consagrada, assim chamada. 
Como conciliar obediência com liberdade, autonomia, direito de decidir-nos por nós mesmos? Como obedecer a outro pobre terráqueo, afinal de contas igual a nós? Como é que um homem tem coragem de mandar num outro, de assumir a função de "superior"? No máximo, mas no máximo mesmo, ele será um "coordenador"...Quando chegarmos a isto, teremos perdido já o senso e a lógica da fé. Teremos caído numa lógica "iluminista", racionalista. 
Por aí já não há cristianismo. 
Estamos precisados, com urgência, de nos pôr diante da luz da obediência de Cristo, feito obediente até à morte... Um Cristo que aprendeu a obediência, como disse René Voillaume, "numa extrema intimidade de comunhão com Deus e uma extrema intimidade de comunhão com os homens". Sem essa "comunhão" com os irmãos, não teremos a motivação da caridade, que nos "consumirá" na obediência.
Tema central para o cristão, como depreendemos das palavras do Pe Paschoal, o Catecismo da Igreja Católica trata(1), abrangente e exaustivamente, do tema da "obediência" (e, particularmente, da "obediência da fé"): da obediência, da desobediência e da liberdade. Seria bom para nós lermos e meditarmos sobre o que a Sagrada Tradição e o Sagrado Magistério têm a dos dizer, em esclarecimento à Sagrada Escritura.  Veja-se, por exemplo, este dois artigos do Catecismo:

143. Pela fé, o homem submete completamente a Deus a inteligência e a vontade; com todo o seu ser, o homem dá assentimento a Deus revelador. A Sagrada Escritura chama «obediência da fé» a esta resposta do homem a Deus revelador.

EU CREIO
I. A «obediência da fé»
144. Obedecer (ob-audire) na fé é submeter-se livremente à palavra escutada, por a sua verdade ser garantida por Deus, que é a própria verdade. Desta obediência, o modelo que a Sagrada Escritura nos propõe é Abraão. A sua realização mais perfeita é a da Virgem Maria.


Onde não há obediência, não há virtude. Onde não há virtude, não há bem, não há amor; e onde não há amor, não há Deus; e sem Deus não se chega ao Paraíso. Tudo isso é como uma escada: se faltar um degrau, caímos. (São Padre Pio)

Meditação de São João Paulo II:
1. Essa invocação da ladainha do Sagrado Coração nos convida hoje a contemplar o Coração de Jesus obediente. Toda a vida de Jesus foi colocada sob o signo de uma perfeita obediência à vontade do Pai, fonte suprema e eterna de ser ser (Jo 1,1-2). O poder e a glória de ambos são um só poder e glória; igualmente a sabedoria, e o amor recíproco infinito. Por causa dessa comunhão de vida e de amor, o Filho adere plenamente ao projeto do Pai, que quer a salvação do homem pelo homem. Assim, na "plenitude do tempo" ele nasce da Virgem Maria (Gl 4,4) com um coração obediente para reparar o mal causado ao gênero humano pelo coração desobediente de nossos ancestrais.
Por isso, no momento de entrar no mundo, Cristo disse: "Eis-me aqui, eu venho... para fazer, ó Deus, a tua vontade" (Hb 10,5-7). "Obediência" é o novo nome do amor!
2. Os evangelhos nos mostram Jesus procurando sempre fazer a vontade do Pai ao longo de sua vida. Aos 12 anos, responde a Maria e a José que, muito angustiados, o tinham procurado por três dias: "E por que me procuráveis? Não sabíeis que devo me ocupar com as coisas de meu Pai?" (Lc 2,49).
Toda a sua existência foi dominada por esse "devo" que determina suas escolhas e guia sua atividade. Um dia dirá a seus discípulos: "Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar sua obra" (Jo 4,34); e ele lhes ensinará a rezar assim: "Pai nosso, seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu" (Mt 6,10).
3. Jesus obedece até a morte (Fl 2,8), se bem que nada lhe seja mais radicalmente contrário que a morte, pois ele é a fonte da vida (Jo 11,25-26).
Durante essas horas trágicas nascem a angústia (Mt 26,37), o medo e a turbação (Mc 14,33), o suos de sangue e as lágrimas (Lc 22,44). Depois, na cruz, a dor tortura seu corpo traspassado. A amargura - da negação, da traição, da ingratidão - enche seu coração. Mas sobre tudo isso domina a paz e a obediência. "Que não se faça a minha vontade, mas a tua" (Lc 22,42). Jesus reúne suas últimas forças e, como síntese de toda a sua vida, pronuncia a última palavra: "Tudo foi consumado" (Jo 19,30).
4. Pela manhã, ao meio-dia e à tarde da vida de Jesus, um único desejo bate em seu coração: fazer a vontade do Pai. Contemplando essa vida, unificada pela obediência fiel ao Pai, compreenderemos a palavra do apóstolo: "Pela obediência de um só, a multidão será justificada" (Rm 5,19), assim como outra, misteriosa e profunda, da carta aos Hebreus: "Embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelos sofrimentos; e, tendo-se tornado perfeito, fez-se princípio de salvação eterna para todos quantos lhe obedecem" (Hb 5,8-9).
Que a Santíssima Virgem nos ajude - a Virgem do "faça-se" intrépido e generoso - a "aprender" também essa lição fundamental.
(Angelus - 23 de julho de 1989) 



Notas:
1 - São muitos os artigos. Talvez já, "per si", seja um gesto de "obediência" ler e conhecer o Catecismo da Igreja Católica (CIC) - que constitui o básico de nossa fé -. É o mínimo que se espera de um cristão. Façamos este pequeno esforço.

RANGEL, Paschoal. Sagrado Coração do Homem. Belo Horizonte: O Lutador, 1993.

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