Amaste a justiça e odiaste a iniquidade, por isso, ó Deus, te ungiu o teu Deus com o óleo da alegria como a nenhum dos teus companheiros. (Hb 1,9)
Meditação de São João Paulo II:
Escreve o Padre Paschoal Rangel:
1. A oração do Angelus nos recorda sempre o momento salvífico em que sob o coração da Virgem de Nazaré começou a bater o Coração do Verbo, do Filho de Deus. Em seu seio, ele se fez homem pela ação do Espírito Santo. No seio de Maria o homem foi concebido e, por isso mesmo, o Coração foi concebido.
2. Esse Coração é - como dada coração humano - um centro, um santuário onde a vida espiritual bate em um ritmo especial. Coração - ressonância insubstituível de tudo o que o espírito humano experimenta. Cada coração humano é chamado a bater ao ritmo da justiça e da caridade. Por ele se mede a verdadeira dignidade do ser humano.
3. O Coração de Jesus bate ao ritmo da justiça e do amor segundo a própria medida divina! Ele é o Coração do Deus Homem. Nele deve se realizar plenamente toda justiça de Deus em relação ao homem e também, em certo sentido, a justiça do homem em relação a Deus. No coração humano do Filho de Deus, a justiça do próprio Deus oferece-se à humanidade.
Essa justiça é o dom do Amor.
Pelo Coração de Jesus, o amor entra na história da humanidade como Amor subsistente: "Deus amor tanto o mundo que lhe deu seu Filho Único" (Jo 3,16).4. Desejo contemplar, com os olhos da Virgem imaculada, a luz deste admirável mistério: a justiça que se revela como Amor! Amor que preenche até a borda cada medida de justiça! E a ultrapassa!
Rezemos para que graças ao teu Coração, ó Mãe de Deus, o Coração de Jesus, "santuário de justiça e de amor", torne-se para nós "Caminho, Verdade e Vida".(Angelus - 14 de julho de 1985)
Escreve o Padre Paschoal Rangel:
O Coração de Jesus é chamado na Ladinha de "receptaculum justitiae et amoris". Difícil de achar uma palavra que traduza convenientemente essa palavra "receptaculum". Receptáculo? Usa-se pouco, soa estranha, fria. Reservatório? Depósito? Lembram porões em que se jogam coisas.... Lugar de confluência talvez. Creio que no "receptaculum" latino sentia-se algo mais: era uma lareira, lugar de acolhida, onde se fazia a "recepção" de alguém, ou sem que se guardavam cuidadosamente objetos e lembranças preciosas.
É bonito "receber" o outro e guardá-lo em nós. Acho que o Coração de Jesus é assim: o ponto para onde confluem a justiça e o amor de Deus e dos homens e o lugar onde podemos encontrá-los (o amor e a justiça), lareira onde se recebe e se preserva o que há de mais bonito.
A justiça, na Escritura, está longe de se esgotar num sentimento ou numa ação "vindicativa" ou reivindicativa, que exige duramente reparação adequada ou punição exemplar. No fundo desse clamor por "justiça" que tantas vezes acinzenta o coração dos homens, há um mal disfarçado desejo de "vingança", um abafado sentimento de ódio. Não é assim a justiça de Deus. Nela, como no Coração de Jesus, confluem necessidade de reparação, certamente, para o restabelecimento da bondade das coisas, para a colocação dos seres em seu lugar ontológico e a restauração da beleza do mundo, e misericórdia, "graça", isto é, "dom", "perdão" que é um (su)perdom (donare-perdonare).
Quando o salmista suplica: "Atende-me em tua justiça!", ele está exatamente pensando nessa justiça bondosa e cheia de vontade de perdoar, pois acrescenta: "Não entres num processo (judicial) contra o ter servo, pois nenhum vivente poderá defender-se (provar que é justo) diante de ti". Se Deus fosse querer rigor, ninguém teria chance. Mas ele "nasce na escuridão como uma luz para os de coração reto, ele misericordioso, compassivo e justo", ou, como diz o latim da Vulgata: "misericors et miserator et justus" (Sl 111,4). Sempre essa deliciosa mistura de amor e justiça. E é isto, precisamente isto, que vamos procurar nas entranhas do Coração de Jesus, hoje e em qualquer tempo.Amor é um dos nomes de Deus: "Deus é Amor" - escreveu São João (1Jo 4,8). Só que não é "eros", o ambíguo amor erótico, mas "ágapè", dom total, valorização do amado, sobretudo doação do ser ao que não era.
Nascemos do Amor do Pai: "Com amor eterno eu te amei, por isso, compassivo, te atraí" (jr 31,3). É quase como se dissesse: porque te amei, tirei-te do nada. E isto nos coloca tão perto de nosso Deus, que se pode dizer com São Francisco de Sales:
"Se o homem meditar por um pouco, atentamente, na divindade, sente um doce transporte do coração, que lhe certifica que Deus é o Deus do coração humano". (RANGEL, 1993).
Notas:
RANGEL, Paschoal. Sagrado Coração do Homem. Belo Horizonte: O Lutador, 1993.
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