sábado, 4 de junho de 2016

Coração de Jesus, esmagado por nossos pecados

Mas ele foi trespassado por causa de nossas transgressões, esmagado em virtude das nossas iniquidades. (Is 53,5)

"Atribulado por Causa de Nossos Crimes", ou, "Esmagado por Nossos Pecados", em algumas versões da ladainha.

Meditação de São João Paulo II:

1. Durante a última ceia, Jesus de Nazaré disse: "Isto é meu corpo oferecido em sacrifício por vós... este é o cálice do meu sangue que será derramado por vós".
Jesus, sacerdote fiel que, graças a seu próprio sangue, entrou no tabernáculo eterno; Jesus, sacerdote segundo a ordem de Melquisedec, que nos deixa seu sacrifício: fazei isto!... Jesus-Coração de Jesus!
2. Coração de Jesus no Getsêmani, que "esteve triste até à morte", que sentiu o "peso" terrível. Quando disse: "A Ti, Pai, tudo é possível: afasta de mim este cálice!" (Mc 14,36), sabia, ao mesmo tempo, qual era a vontade do Pai, e só desejava cumpri-la: "Beber o cálice até a borra".
Coração de Jesus partido pela sentença eterna: com efeito, Deus amor tanto o mundo que lhe deu seu Filho único...
3. Muitos séculos antes, Isaías já dissera: "Ora, foram nossos sofrimentos que ele suportou e nossas dores que o acabrunharam. E nós o julgamos castigado, ferido e humilhado por Deus" (Is 53,4).
Ele se imolou por causa de nossos crimes. Porventura não disseram no Gólgata: "Se tu és o Filho de Deus, desce da cruz!" (Mt 27,40)?
4. Assim diziam eles. O profeta, no entanto, sabia. E por isso, tantos séculos antes, afirmava: "Ele foi traspassado por causa de nossos pecados, esmagado por causa de nossos crimes. Todos, como ovelhas, estávamos errantes, cada qual seguia seu caminho. E Javé fez cair sobre ele os crimes de todos nós... Sim! Ele foi arrancado da terra dos vivos, por causa de nossos pecados foi ferido de morte" (Is 53,5-8).
5. Esmagado por nossos pecados!
Coração de Jesus esmagado pelos pecados... Os sofrimentos da agonia invadem lentamente todo o corpo do crucificado, Lentamente a morte chega ao coração. Jesus disse: "Tudo está consumado!" "Pai, em tuas mãos entrego meu espírito" (Lc 24,46). As Escrituras poderiam se cumprir de outro modo? As palavras do profeta poderiam se realizar de outra maneira? Elas dizem: "Por seu conhecimento, o justo, meu servidor, justificará as multidões... e por Ele a vontade de Javé se cumprirá" (Is 53,10-11).
A vontade do Pai! Não a minha, mas a tua vontade;
6. Estamos unidos na oração contigo, Mãe de Cristo... contigo, que participaste de seus sofrimentos.... Tu nos conduzes ao Coração de teu Filho agonizando na cruz, quando ele se revelou, em seu despojamento total, como Amor.
Tu, que participasse de seus sofrimentos, concede-nos perseverar sempre na intimidade desse mistério. Mãe do Redentor!
Aproxima-nos do Coração de teu Filho!

(Angelus - 31 de agosto de 1986)

Nos ensina o Padre Paschoal Rangel: 
Ele, o Servo de Javé, figura do Messias, "foi ferido por causa de nossos delitos, foi esmagado por causa de nossos crimes". Ei-lo, mais uma vez, o Sofredor Inocente, carregado dos sofrimentos, que eram, que deveriam ser nossos; com os ombros vergados sob aquelas que deveriam ser nossas dores (Is 53,4). Ele segue como um cordeiro, não mais que um cordeiro que se deixa levar ao matadouro "Is 53,7); chega a parecer "um verme da terra" (Sl 21,7), que se pode pisar, achatar, esmigalhar impunemente. Não são sentimentalismos, é a sólida, maciça brutalidade histórica. Mas é ainda mais que isto; mais que História, é Mistério; Mistério dos Mistérios, esse sofrimento de deus, fonte de misericórdia e salvação.Escrever um autor espiritual... "Nós nascemos sobrenaturalmente do amor infinito e das cores de Cristo". Não é por nenhuma morbidez que os cristãos meditam e contemplam os sofrimentos da Paixão e Morte de Jesus. A última estação de nossa caminhada é a ressurreição, a vitória sobre a morte e a dor. Mas também não nos deixamos iludir pelo triunfalismo, como se fosse possível chegar à ressurreição sem a "agonia", a luta, o sacrifício, a com-paixão.A contemplação reaviva a força estimulante da Paixão, dá-nos uma energia renovada, como um vento soprando sobre brasas que se extinguem; A visão do Cristo sofredor atiça nosso desejo de entregar a vida pelo Pai e pelos irmãos, à imitação dele. E nos faz entender que "sem dor, não há a mínima chance de conversão". Houve mesmo quem afirmasse: "Se uma pessoa não sofreu por Jesus e com Jesus, não pode ter certeza de amá-lo". A contemplação, pois, repetida, aprofundada, da Paixão renova o vigor cristão de quem ouviu o chamado de Cristo: "Se alguém quiser acompanhar-me, renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz, todos os dias, e siga-me" (Lc 9,23). A contemplação traz para nós o sopro vivificante do Espírito. 
Lembram-se do episódio bíblico (2Mac 1), em que Neemias, governador de Jerusalém, sabendo que, ao serem expulsos da cidade, os sacerdotes judeus haviam escondido o fogo sagrado numa cisterna seca, ordenou que os novos sacerdotes procurassem descobri-lo, para a reinauguração do Templo que acabavam de reconstruir? Diz a história que, em lugar do fogo, os sacerdotes encontraram apenas uma água grossa, talvez oleosa. Neemias, contudo, não perdeu a fé, e ordenou que jogassem aquela água sobre o altar, as vítimas e a lenha para o sacrifício. E aconteceu uma coisa linda: o sol foi varando as nuvens, começou a brilhar, e, na medida em que seus raios caíam sobre aquela água, ia-se ateando um fogo divino que consumia as vítimas, fazendo o povo estremecer de admiração diante de Deus: recuperava-se o fogo sagrado, não só para o altar, mas para o coração de Israel.Algo assim acontece quando nós, pela meditação, expomos ao sol de Deus as águas oleosas de nossos ideais meio perdidos. Essas águas interiores ainda guardam, mesmo sem sabermos, material altamente inflamável, um amor escondido, resfriado, mas verdadeiro. Que Deus conhece mais que nós. E pode inflamar de novo.


Notas:

RANGEL, Paschoal. Sagrado Coração do Homem. Belo Horizonte: O Lutador, 1993.

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