sábado, 4 de junho de 2016

Coração de Jesus, Fornalha Ardente de Caridade


Eu vim trazer fogo à terra, e como desejaria que já estivesse aceso! (Lc 12,49) 
Mas Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, quando estávamos mortos em nossos delitos, nos vivificou juntamente com Cristo - pela graça fostes salvos! (Ef 2,4-5)
Meditação de São João Paulo II:
1. Na oração do Angelus, em união com a Mãe de Deus, desejamos dirigir nossos corações para o Coração de seu divino Filho. 
As invocações desse esplêndida ladainha, que recitamos ou cantamos, especialmente ao longo do mês de junho, falam-nos de maneira profunda. A Mãe nos ajude a compreender melhor os mistérios do Coração de seu Filho. 
2. "Fornalha de caridade". A fornalha queima. Queimando, consome todas as coisas, sejam elas madeiras ou outras substâncias facilmente combustíveis. 
O Coração de Jesus, o Coração humano de Jesus, arde do amor do qual está transbordando. E esse amor é o amor para com o Pai eterno e o amor para com os homens, seus filhos e filhas adotivas. 
A fornalha que queima pouco a pouco se extingue. O Coração de Jesus, ao contrário, é uma fornalha inextinguível. Assemelha-se à "sarça ardente" do Livro do Êxodo, na qual Deus se revelou a Moisés. A sarça ardia com o fogo... mas "não se consumia" (Ex 3,2). 
Com efeito, o amor que arde no Coração de Jesus é, antes de tudo, o Espírito Santo. Nele, Deus Filho se une eternamente ao Pai. O Coração de Jesus, o Coração humano de Deus Homem, é envolvido pala "chama viva" e inextinguível do Amor trinitário. 
3. Coração de Jesus, fornalha ardente da caridade. Enquanto arde, a fornalha ilumina as trevas da noite e aquece os corpos gelados dos viajantes. 
Desejamos, hoje, orar à Mãe do Verbo Encarnado para que no horizonte da vida de cada um e de cada uma de nós  nunca cesse de arder o Coração de Jesus - fornalha ardente de caridade. Para que ele nos revele o Amor que não se extingue e nunca se deteriora, o Amor que é eterno. Para que ilumine as trevas da noite terrena e reaqueça os corações. 
4. Como se alegra a Igreja pelo fato de que nesse Coração divino se acendem de amor os corações humanos! 
5. Dando graças pelo único amor capaz de transformar o mundo e a vida humana, nós nos dirigimos, em união com a Virgem imaculada no momento da Anunciação, ao Coração divino que não se cansa de ser "fornalha ardente de caridade"; ardente como a sarça que Moisés viu ao pé do Monte Horeb.(Angelus - 23 de junho de 1985)

Escreve o Padre Paschoal Rangel:
O fogo, a ardência, a luz estão profundamente ligados ao Cristo. Ele mesmo disse: "Eu sou a luz do mundo: quem me segue, não anda nas trevas, mas terá a luz da vida" (Jo 8,12). A luz está, em Cristo, conjugada à vida: "Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens..." (Jo 1,4). Os primeiros cristãos, que falavam grego, gostavam de traçar a Cruz, fonte de Luz e Vida, com duas palavrinhas entrelaçadas PHÓS (LUZ) - ZOÉ (VIDA). 
Mas a luz vem do fogo, quero dizer, da combustão: alguma coisa se consome, para alimentar a chama, que aquece e ilumina; calor que é energia, que movimenta as coisas, o mundo, os céus; claridade que afasta os riscos, aponta a estrada, orienta a caminhada. 
Há, porém, um fogo de Deus que queima e brilha sem se consumir, quer dizer, que não se esgota. Basta lembrar a sarça ardente do Horeb, de que fala o livro do Êxodo, no capítulo 3: era uma labareda, a moita toda em chamas, ardendo sem se queimar. 
Assim é o Coração Sagrado de Jesus, uma fornalha acesa, que não destrói, nem se destrói, como aquela fornalha em que os jovens fiéis a Deus, no reino de Nabucodonosor, passeavam de um lado a outro, cantando os louvores ao Senhor (Dn 3,19-23). Uma fornalha de amor, de um amor que gera a jubilação, a alegria do canto, a pureza dos corações. 
O Coração de Jesus, chama de caridade viva, não deseja outra coisa senão incendiar os homens no fogo que ele trouxe e é: "Eu vim trazer fogo à terra" - disse Ele - "e o que desejo senão que ele se ateie?" (Lc 12,49). Certamente, nada é mais duro para ele do que ver a indiferença, a tíbia mornidão daqueles que ele tanto amou. 
Uma palavra que precisa de ressuscitar em nossa boca e se transformar em realidade forte em nós, cristãos, é a palavra "fervor". Quem tem fervor, ferve, está exposto ao fogo, deixa-se tomar pelo calor da fornalha que produz dinamismo, beleza, vigor, vida. Há aqueles que se transformam em tochas de fogo, provocando, dia a dia, as iras de Deus, como fala Isaías (65,5). Nós precisávamos ser esse fogo sempre aceso, mas de fidelidade: "Isti sunt... ignis ardens tota die". Como faz falta.Talvez tenha sido Saint-Exupéry o escritor que mais bonito falou disso. Há uma página inesquecível em Cidadela (Cap. CVIII): "Não te peço que compreendas e sintas a cada momento. Estou farto de saber que nem o amor mais ardente escapa à travessia de muitos desertos interiores". "Pretendo simplesmente que, de tempos em tempos, uma das minhas sentinelas se ponha a arder. E haja uma delas em que o coração bata. Que haja uma que conheça o amor. (...) Basta que tenhas passado por essa plenitude de seres um homem e que, depois, te mantenhas bem preparado para receber isto de novo". Ao menos isto. O amor possível. Grande, inundante, com momentos de deserto e aridez, mas sempre esperando a volta.Podíamos pedir a Deus, nosso Uriel (o nome quer dizer: "meu fogo, milha luz é Deus"), que ele faça nascer dentro de nós, o fogo que nos habita, a nós que fomos batizados no Espírito e no fogo (Ez 28,18; Mt 3,11). Um fogo que não consome, mas traz a paz da brisa leve, como no Monte de Deus, no tempo do profeta Elias: veio o fogo; ... depois do fogo, veio aquele sopro suavíssimo, em que estava o nosso Deus (1R 19,12). (RANGEL, 1993)



Notas:

RANGEL, Paschoal. Sagrado Coração do Homem. Belo Horizonte: O Lutados, 1993.

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