sábado, 4 de junho de 2016

Coração de Jesus, Paciente e de Misericórdia Infinita

Que o Senhor conduza os vossos corações para o amor a Deus e a perseverança de Cristo. (2Ts 3,5)
Meditação de São João Paulo II:
1. Hoje, por ocasião da oração do Angelus, desejamos com Maria reler uma vez mais o Evangelho. De certo modo nós o relemos inteiro e imediatamente. Nele está descrito o Coração de Jesus, paciente e de misericórdia infinita. 
Não é assim o Coração daquele que "passou fazendo o bem e curando" a todos os que estavam sob o poder do diabo? (At 10,38). Daquele que fez os cegos verem, os paralíticos andarem e os mortos ressuscitarem? Daquele que anunciou a boa nova aos pobres? (Lc 7,22). 
Não é assim o Coração de Jesus que não tinha onde repousar a cabeça, enquanto as raposas têm suas tocas e os pássaros dos céus os seus ninhos? (Mt 8,20). 
Não é assim o Coração de Jesus que defendeu a mulher adúltera de ser lapidada e lhe disse: "Vá, doravante não peques mais"? (Jo 8,3-10). 
Não é assim o Coração daquele que foi chamado amigos dos publicanos e dos pecadores? (Mt 11,19). 
2. Consideremos, com Maria, o interior desse Coração! 
Contemplemo-lo no Evangelho!Releiamos esse Coração, particularmente no momento da crucificação, quando foi traspassado pela lança quando se revelou em profundidade o mistério que aí se encontra inscrito. 
Coração paciente, porque aberto a todo o sofrimento humano. Coração paciente porque disposto a aceitar um sofrimento além de qualquer medida humana. 
Coração paciente porque de infinita misericórdia! 
E o que é misericórdia, senão essa maneira muito particular de amar que se exprime no sofrimento? O que é ela senão a medida definitiva de amor que desce até o coração do mal, para vencê-lo pelo bem? O que é ela senão o amor que triunfa sobre o pecado do mundo por meio do sofrimento e da morte? 
3. Coração de Jesus paciente e de misericórdia infinita! 
Mãe, que pela vontade desse Coração vos tornastes mãe de todos nós. Quem como vós conhece o mistério do Coração de Jesus em Belém, em Nazaré, no Calvário? Quem melhor do que vós sabe que ele é paciente e de misericórdia infinita? Quem dá um testemunho tão constante como o vosso? (Angelus - 27 de julho de 1986)

Escreve o Padre Paschoal Rangel (1993):
A Bíblia gosta de ajuntar, a respeito de Deus, dois atributos: misericórdia e verdade. Deus é repetidamente chamado "misericordioso e justo", ou, o que é a mesma coisa na linguagem da Escritura: "misericordioso e verdadeiro". Verdade e misericórdia são "justiça e bondade, ou perdão" (Gn 24,49; Pr 3,3; Sl 84,11; Pr 16,6). 
Aqui, porém, a Ladainha prefere reforçar a presença amorosa do perdão, da misericórdia, da paciência. O Coração de Deus é um coração que parece sempre ter tempo, e estar disposto a esperar. Ele conhece o homem e sabe o quanto somos "tardos de coração" para entender as coisas, sobretudo quando "não interessa"... (Lc 24,25). São Pedro chega mesmo a escrever que, se o fim do mundo (a "parousia" ou segunda vinda de Jesus) parece não chegar nunca, "é que Ele está usando de paciência para conosco, porque não quer que ninguém se perca, mas que todos venham a converter-se" (2Pd 3,9). 
O Papa João Paulo II escreveu uma importante Encíclica com o título "Dives in Misericordia", isto é, "Rico em Misericórdia". A expressão recorda uma frase paulina: "Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, quando estávamos mostos em nossos pecados, nos vivificou juntamente com Cristo (...) e com Ele nos ressuscitou e nos fez assentar nos céus, em Cristo Jesus" (Ef 2,4-6). 
Misericórdia é uma palavra etimologicamente muito significativa. Ela inclui o verbo "miséreor" = ter pena, compadecer-se do "mísero", isto é, do pobre (miserável) que sofre, e remete ao coração ("cor", em latim). Misericórdia é uma mistura de dó e bondade que vem de dentro, do coração, e da miséria e a dor do outro. A Bíblia está cheia desses sentimentos atribuídos constantemente ao Senhor. 
A Ladainha ajunta a isto a paciência, a longanimidade. O paciente é aquele que aguenta, suporta, carrega o outro. Vem à mente a situação do alcoólatra que a família não rejeita, sobretudo a mãe ou a filha; a quem não abandonam, mas carregam às costas como uma cruz, anos e anos. Há um pouco dessa capacidade de esperar, de amar dolorosamente, mas amar, de fato, a pessoa que humanamente não faz nada para ser amado e respeitado. Nós precisamos de vós assim, Coração Sagrado, paciente e misericordioso... 
Ultrapassemos, porém, as etimologias e os psicologismos espirituais. A "misericórdia" de Cristo não é só uma questão de ser bondoso, de ter pena ou sentimentos de amor delicado. Há, no caso do Coração de Jesus (ou de Jesus simplesmente), um sentido teológico forte, muito radical, fundado no próprio desígnio de Deus em relação à Encarnação. Por eterna vontade do Pai, o Verbo se encarnou "por causa de nós, homens, e para nossa salvação" (Símbolo Niceno-Constantinopolitano). A Encarnação tende, por decreto divino, para o perdão do pecado do homem. O Filho teria de ser aquele que "tira o pecado do mundo" (Jo 1,29). Tudo nele é feito para o perdão, a misericórdia. Ele é mais do que aquele que perdoa: Ele é Perdão, o Perdão. Ele é Amor. Por isso, é Misericórdia. Não apenas tem misericórdia, Ele é Misericórdia, porque é Jesus (Yeshuáh, isto é, Salvação). Salvador, em Jesus, não é adjetivo. É sua substância. Seu Ser inteiro. 
Quando tivermos compreendido isto, teremos compreendido também o exercício da misericórdia nele. Sua misericórdia vaza, por assim dizer, de sua substância interior, do ser de Salvação que Ele é. O Deus-Homem só existe assim, para isso: para ser Misericórdia.


Notas:

RANGEL, Paschoal. Sagrado Coração do Homem. Belo Horizonte: O Lutador, 1993.

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