E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós. (Jo 1,14)
Eis que, no Transpassar da lança do soldado todas as gerações dos cristãos aprenderam e aprendem a ler o mistério do Coração do Homem Crucificado, que era e é Filho de Deus. (São João Paulo II)
São João Paulo II, ao meditar sobre esta invocação, Coração de Jesus, unido substancialmente ao Verbo de Deus, expressou-se assim:
A expressão “Coração de Jesus” traz imediatamente à lembrança a humanidade de Cristo e destaca a riqueza dos sentimentos, a compaixão para como os enfermos, a predileção pelos pobres, a misericórdia para com os pecadores, a ternura junto às crianças, a força na denúncia da hipocrisia, do orgulho, da violência, a mansidão para como os adversários, o zelo pela glória do Pai e a alegria por seus desígnios de graça, misteriosos e providenciais.
Com referência aos fatos da Paixão, essa expressão lembra a tristeza de Cristo pela traição de Judas, seu desamparo na solidão, a angústia diante da morte, o abandono filial e obediente nas mãos do Pai. A expressão acentua, sobretudo, o amor que brota sem cessar desse Coração: o amor infinito para com o Pai e sem limites para com os homens.
Esse Coração humanamente tão rico, no contexto da invocação “está unido à pessoa do verbo de Deus” Jesus é o verbo de Deus encarnado. Nele existe uma única pessoa – a pessoa eterna do Verbo – presente sob duas formas, a divina e a humana. Jesus é uno na realidade indivisível de seu ser e é, ao mesmo tempo, perfeito em sua divindade, perfeito em nossa humanidade. Ele é semelhante ao Pai no que diz respeito à natureza divina; semelhante ao Pai no que diz respeito à natureza divina; semelhante a nós no que concerne à natureza humana; verdadeiro filho de Deus e verdadeiro filho do homem. O Coração de Jesus, desde o momento da encarnação, foi e estará sempre unido à pessoa do Verbo de Deus.A propósito da união do Coração de Jesus com a pessoa do verbo de Deus, podemos dizer que, em Jesus, Deus ama humanamente, sofre humanamente, alegra-se humanamente. E vice-versa: em Jesus, o amor humano, o sofrimento humano, a glória humana adquirem grandeza e poder divinos.
Caros irmãos e irmãs, reunidos para a oração do Angelus, contemplemos com Maria o Coração de Cristo. A Virgem viveu na fé, dia após dia, ao lado de seu filho Jesus. Sabia que a carne do filho nascera de sua carne virginal, mas sentia que, sendo “Filho do Altíssimo” (Lc 1,32), ele a transcendia infinitamente, uma vez que o Coração de seu filho estava “unido à pessoa do Verbo”. Esta é a razão pela qual ela o amava enquanto seu filho, e ao mesmo tempo, o adorava como seu Senhor e seu Deus. Que ele permita a nós também amar e adorar o Cristo, Deus e homem, sobre todas as coisas, “com todo o coração, com toda a alma e com todo o espírito” (Mt 22,37). Seguindo seu exemplo, seremos o objeto das predileções divinas e humanas do Coração de seu Filho.(São João Paulo II – Angelus – 9 de julho de 1989)
O Padre Paschoal Rangel ensina que quando falamos de Jesus, Deus e homem verdadeiro, está implícito a substancial união do Coração de Jesus ao Verbo de Deus.
Nele se acha consumado o mistério específico do próprio Jesus, Verbo que se fez carna (Jo 1,14) e se manifestou aos homens: "Ele habitou entre nós e nós vimos a sua glória, glória como a do Unigênito do Pai" (Jo 1,14).
O mais humano talvez dos Evangelhos, o que melhor mostra o homem em Cristo, o Evangelho de Marcos, começa dizendo: "Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus" (Mc 1,3).
Era muito difícil ao senso comum, e até ao bom senso, aceitar que alguém realmente humano pudesse ser realmente divino, todo imanência e todo transcendência. Séculos a fio, sucederam-se doutrinas que, ou atribuíam a Jesus uma humanidade aparente para poder afirmar sua divindade plena, ou negavam a Cristo uma verdadeira divindade e faziam dele um "filho de Deus" em sentido lato, um demiurgo, uma espécie de semidivindade, para poder salvar sua humanidade. Ainda hoje é comum encontrar no meio do mundo, e até no meio de cristãos mais ou menos inconsequentes, gente que não sabe ou não entende por que a Igreja ensina que Jesus é verdadeiro Deus e homem. É, ou não acredita, ou acredita sem saber por quê.
Que se possam dar provas "filosóficas", "racionais", de uma coisa que é "vida", "mistério" de Deus, não há nada demais, até porque não é com tais provas que se trata dessas realidades sobrenaturais, transcendentais. Mas nossa fé podia, pelo menos, recolher as afirmações bíblicas, inspiradas, para justificar-se. Ora, a Epístola aos Colossenses (2,9) ensina: "Nele (Cristo), habita corporalmente toda a plenitude da divindade". No corpo, em todo o ser humano, terrestre de Cristo, se insere a divindade toda, não em figura, não aparente ou simbolicamente, mas em verdade. Os gregos, os grandes teólogos gregos dos primeiros séculos cristãos, a quem chamamos, junto com os grandes doutores latinos primitivos, Padres de Igreja, pois eles, de algum modo, nos geraram para o cristianismo e desenvolveram as razões de nossa fé, foram aprofundando essas ideias e precisando termos e conceitos, até ensinar-nos que o que São Paulo, São João ou São Marcos nos queriam dizer, era isto: o Verbo de Deus se uniu substancialmente ao homem Jesus. Um dia se falaria em "união hipostática", isto é, a divindade, no Verbo, na pessoa (hypóstasis) do Verbo de Deus, uniu a si, pessoalmente, indivisivelmente, um homem de verdade, de tal modo que o Verbo e esse homem formassem uma coisa substancialmente una, inseparada e inseparável, embora sem confundir o Verbo e o homem. (Concílio de Calcedônia). De tal maneira uno é o Cristo, que se pode atribuir ao mesmo ser, ao mesmo Jesus, tudo o que é de Deus e tudo o que é do homem assumido por ele. E estranhamente é verdade que, nele, Deus sofreu e morreu, e um homem mandou aos ventos, e ao mar, e à morte, e à vida.Por isso, a Ladainha nos ensina a invocar: "Coração de Jesus ao Verbo de Deus substancialmente unido, tende piedade de nós".
E nós temos certeza de que esse Coração que tem piedade de nós, é o Coração do próprio Deus, que "sua misericórdia é eterna e infinita, existe desde sempre e dura para sempre para os que o temem" (Sl 102,17); que "os caminhos do Senhor são todos verdade e misericórdia" (Sl 24,10). Podemos confiar sem medo, desde que o amemos. (RANGEL, 1993)
Notas:
Comentários sobre a Ladainha do Sagrado Coração de Jesus Angelus, por São João Paulo II
RANGEL, Paschoal. Sagrado Coração do Homem. Belo Horizonte: O Lutador, 1993.
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